domingo, 6 de março de 2011

Da alienação

A alienação de um sujeito ou de um conjunto de sujeitos (olha ela aí, a comunidade!) tem as suas maravilhas, não tem como negar. Afinal de contas, não haveria pedra sobre pedra se não dedicássemos alguns de nossos preciosos minutos às nossas “viagens”. Digo sobre uma alienação no bom sentido, de abstração, não daquela que tratarei logo abaixo. Alguns transformam isso no chamado “ócio produtivo” ante a impossibilidade de se chutar a realidade. É o que eu faço agora, o que pode ser considerado uma intertextualidade – preto no branco: em um momento de alienação tecer comentários sobre a alienação (a perniciosa).

Ninguém mais indicado, por hora, que Erasmo de Rotterdam:

“Já alguém escreveu, com muito senso, que ser deus é favorecer os mortais. Ora, se com razão se incluíram no número dos deuses aqueles que introduziram na sociedade o vinho, a cerveja e outras mais vantagens dadas ao homem, por qual motivo não devo eu ser proclamada e adorada como a principal das divindades, eu, que a todos, com a prodigalidade, dispenso eu só tantos benefícios?”

É um trecho de sua obra mais conhecida, “Elogio da Loucura”, aquela que o professor do ensino médio cita dizendo ser um grande ato, mas sem nunca tê-lo lido – provavelmente a maioria. Faz parte do show. De fato, tenho que concordar, por outros motivos e experiências, que é um legado fantástico. É apontado como um dos mestres da Reforma Religiosa, iniciada no século XVI. Enfim, no excerto ele encarna a Loucura – com “L”, haja vista que dotada de personalidade, ao menos na sua crítica ferina.

É meu dever destacar, apesar de óbvio, que a alienação de um sujeito é um corolário da loucura. O que cabe destacar é que essa modalidade de loucura está travestida de verdade. É o que te vendem todos os dias; é o juízo de valor capcioso; a ausência de senso crítico ou senso crítico distorcido; uma chaga que evolui até a pernície. Bem, está na moda, mais do que nunca. Acha-se em qualquer lugar, em toda esquina. Anda de mãos dadas com a preguiça de pensar – melhor: montada nos ombros dela.

E me veio à cabeça um trecho de uma música do Raul Seixas, “Metrô linha 743”, crítica ao regime de exceção vivenciado no Brasil por mais de 20 anos no século passado – via excepta bem demorada; exceção para lamber os beiços:

“[...] ei, amigo, você pode me ceder um cigarro? Ele disse: eu dou, mas vá fumar lá do outro lado. Dois homens fumando juntos pode ser muito arriscado. Disse: o prato mais caro do melhor banquete é o que se come cabeça de gente que pensa, e os canibais de cabeça descobrem aqueles que pensam, porque quem pensa, pensa melhor parado [...]”.

Hoje os tempos são outros: liberdade de pensamento e de convicções políticas; liberdade para associar-se ou reunir-se; liberdade para ir, vir e permanecer, sem ameaças, mesmo que indiretas ou implícitas, entre outras maravilhas trazidas pela nova ordem constitucional. Apesar de tudo isso, considerando o indivíduo uma passa em um pudim respectivo, por outros motivos, logicamente, que “dois homens fumando juntos pode ser muito arriscado”. Digo, pois, muito melhor estar considerado em si mesmo, “alone in the dark”, que haver um tresloucado invertendo valores, acreditando que isso seja verdade ou não (sabe-se lá o interesse das pessoas), e buzinando isso no seu ouvido, esperando a deglutição. Eu não engulo sem mastigar.

Rauzito, na mesma música, ainda nos deixa essa: “[...] jogaram minha cabeça oca no lixo da cozinha e eu era agora um cérebro, um cérebro vivo à vinagrete. Meu cérebro logo pensou: ‘que seja, mas eu nunca fui tiete!’”. Portanto, antes ser antipático e anacrônico, que tomar uma volta, sabe, uma pernada, um balão, digamos, um “bobnelson”!, e depois suportar rir da própria ignorância – uma desgraça prevista e permitida, diga-se de passagem.

Ate mais!