quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O aumento do mínimo

Após um longo e tenebroso inverno volto ao blog, mesmo que pontualmente. O motivo: a votação do Projeto de Lei da Câmara nº. 01/2011, que dispõe sobre o valor do salário mínimo em 2011 e a sua valorização de longo prazo. Como jurista que sou e dispondo desta ferramenta, manifesto o meu repúdio ao que aconteceu na sessão plenária do Senado Federal de 23/02/2011 – reflexamente à discussão na Câmara dos Deputados.

Em primeiro lugar, e, a meu ver, de menor importância, destaco o seguinte: a política de reajustes (em sentido amplo) do salário mínimo, prevista para o intervalo compreendido entre os anos de 2012 e 2015, é de longo prazo? A mim não parece ser adequada a classificação. Contudo, expressões desse tipo reverberam em forma de mágica quando ventiladas pela imprensa: “nossa, valorização a longo prazo para o salário mínimo?”; daqui a 10 anos, se algo não mudar, um petista discursará no Senado Federal, usando um palavrório vazio e retumbante, fazendo referência a que “nunca na história do país”, até a ascensão do seu partido à Presidência da República, houve uma política de longo prazo para o salário mínimo e que a primeira a sancionar o projeto de lei aprovado nas Casas de Leis foi a primeira presidenta brasileira, promovendo uma era de quebra de paradigmas. Exaltará o pai Lula. Batata.

A definição do valor do salário mínimo poderia ser o ponto principal da discussão. PODERIA, isto é, perdeu-se uma boa chance. Ocorre que o art. 3º determina que o salário mínimo sofrerá aumento e reajuste por Decreto pelo Poder Executivo – e esse é o maior atentado que o PLC nº. 01/2011 comete, a meu ver, sendo este o ponto de enfoque deste post.

A cizânia é a seguinte: o salário mínimo deve ser fixado por lei – é a previsão do art. 7º, IV, da Constituição Federal. Decreto não é espécie de lei. Fica claro que a Constituição Federal faz uma reserva legal, isto é, o salário mínimo deverá ser fixado por lei. Ponto. Até o Tiririca sabe disso. Melhor: em uma conversa entre o Romário e o Tiririca eles nem discutiriam esse assunto, pois nesse aspecto ambos tiraram 10 nas aulinhas que antecederam os respectivos mandatos.

Acompanhei por TV a sessão no Senado. Não vi qualquer senador fazer uma diferenciação, o que seria demais esperar, entre aumento e reajuste. O reajuste é mera correção, geralmente baseada em um índice, que se faz sobre determinado montante, no caso o salário mínimo, de modo a preservar o seu valor em razão de fatores externos, como a inflação, por exemplo – o seu valor inicial, por assim dizer, será mantido se regularmente reajustado, não incidindo desvalorização. O aumento, explicado o que é reajuste, é fácil de entender: não trata de preservar o valor de um montante, sendo mais que isso, ou seja, acrescentar-lhe valor, tornar o montante inicial maior, majorar a sua capacidade, de revisá-lo. A lei, ou o projeto de lei, não devem ter palavras sem utilidade ou repetitivas sem algum motivo determinante. Aumento e reajuste, sob o prisma do Direito, são expressões diferentes.

Entendo, neste caso, que aumentar o salário mínimo significa fixar novo salário mínimo. O debate quanto ao reajuste comporta argumentos de todos os lados, haja vista que a CF o permite no art. 7º, IV, mas não estabelece a espécie normativa que promoverá a atualização do instituto – se Decreto, Lei, et cetera -, tampouco o legitimado, ao menos de forma clara. Trataria de se discutir se a reserva legal é absoluta ou relativa, dentre outras nuances, o que demandaria maior tempo dedicado a este texto.

Portanto, o caso de aumento do salário mínimo, entendido como fixar novo salário mínimo, mediante Decreto do Chefe do Poder Executivo, mostra-se uma situação de ilegalidade. Parece-me, portanto, que carregada de inconstitucionalidade o PLC nº. 01/2011, uma vez que o seu texto contraria o que é estabelecido pela Carta Maior.

Deve ser observado que é essencial na separação de poderes evitar a excessiva delegação do Legislativo ao Executivo. Na situação tratada essa delegação poderia ter sido poupada – afinal, o aumento do salário mínimo é regularmente votado nas Casas de Leis. O que está por debaixo dos panos, ao que parece, é que com a farra dos gastos públicos no ano de 2010 (recentemente cortados 50 bi do orçamento de 2011), aliada a fatores econômico-financeiros globais, o governo está a fazer malabarismos para manter o equilíbrio da economia brasileira – o recente aumento dos juros, por exemplo. Ademais, diante de um cenário em que alguns especialistas apostam no crescimento da inflação (fenômeno da desvalorização da moeda), o governo ter em suas mãos uma ferramenta de reajuste do salário mínimo interessa muito mais. Não se sujeitará ao lento e longo trâmite das Casas Legislativas, de modo que com uma canetada a presidenta poderá atualizar o salário mínimo.

Assim, um reajuste de salário mínimo poderá ser recebido com festa, mediante a atuação da máquina de marketing governamental, mesmo não caracterizando um aumento real no seu poder de compra, e sim uma medida para evitar a sua desvalorização. Ponto para o governo.

Espera-se, agora, que o STF seja provocado para se manifestar acerca da constitucionalidade do PLC nº. 01/2011, que será convertido em lei em breve. Saberemos, então, acerca da possibilidade de reajuste do salário mínimo por Decreto, assim como do entendimento da Suprema Corte sobre o aumento no valor do instituto por ato administrativo unilateral do Chefe do Poder Executivo.

Por fim, é sofrível consolidar a posição de que foi colocada coleira no Legislativo pelo Executivo. Os discursos da base governista, em geral, fugiram da exposição de motivos da legalidade do PLC. Muita exaltação ao governo Lula e à atual Presidente; ferro comendo para dentro de Fernando Henrique; balelas acerca do crescimento do salário mínimo em dólar – fica aí um complexo terceiro mundista, anacronicamente indexando valores nacionais à moeda estrangeira –; Sarney desrespeitando o regimento interno do Senado; senadores servindo de massa de manobra – vergonhoso. Salva o lúcido discurso do senador Pedro Taques (PDT-MT).

Em que pese entendimento em contrário, fico por aqui.

Até mais!

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