O anúncio da revogação da medida que concederia aumento de subsídio aos vereadores de Cachoeiro de Itapemirim causou tremendo alívio na população. Contudo, a reversão do ato e a admissão do erro pelo Presidente da Casa não apagam os efeitos já produzidos. Ademais, a pergunta que deve ser feita é a seguinte: qual o motivo do recuo da Casa de Leis cachoeirense? Pressão popular? Não acredito que seja somente isso.
Esse ‘post’ é dos grandes. Antes de tudo, ficam alguns ‘links’ de notícias publicadas pela gazetaonline.com.br:
Para variar, o ‘site’ da CMCI não publicou qualquer notícia – nem quando, em tese, há benefício para a imagem da Casa, o serviço de publicidade funciona.
Em geral, nossas instituições públicas possuem um grave problema: motivar os atos que produzem. Vale lembrar que a falta de motivo idôneo para os atos produzidos é causa de nulidade absoluta da medida. Assim, pergunta-se: nesse caso específico qual o motivo para o aumento de subsídio – defasagem ou apenas aumento na remuneração que serve de base (dos Deputados Estaduais)? Mais: quando um Tribunal de Justiça abre procedimento administrativo para cassar um magistrado, qual o motivo – extirpar o ímprobo dos quadros do Judiciário ou afastar os holofotes da instituição? E se o Chefe do Executivo exonera um de seus ministros – pressão da imprensa, oportunidade para o comissionado se defender melhor ou vontade de manter a lisura do órgão? Outros motivos mais surgem, sendo que a evocação de um não exclui o outro.
Quero dizer o seguinte: muitos motivos são invocados com o fito de mascarar o real motivo da medida, o que consubstancia opacidade nos elementos que fundamentam o ato – o querido é a transparência.
No caso em referência o fundamento para rever o aumento de subsídio é a pressão popular. Mas será que é isso mesmo? Somente pressão popular? Vamos exercitar a memória e ver os fatos, inclusive os supervenientes.
Colaciono alguns trechos das notícias acima mencionadas (em vermelho) – leia com atenção, comento em seguida:
"Nós escutamos o clamor da população, ficamos sensibilizados e decidimos não promulgar o aumento. Não podemos deixar uma mancha no Legislativo, apesar de o aumento estar na legalidade", afirmou o presidente Júlio Ferrari (PV), referindo-se à indignação dos moradores de Cachoeiro, que chegaram a realizar um protesto durante a última sessão, questionando o fato de a votação do projeto ter sido feita sem maior debate.
O presidente da Câmara de Cachoeiro, Júlio Ferrari, justificou da seguinte maneira o recuo no aumento de salário: "Todo ser humano pode errar, mas tem a obrigação de depois acertar. O vereador é paredão do povo, não podemos manchar o Legislativo, apesar de o aumento estar na legalidade".
Além da pressão devido à manifestação e revolta popular por conta do aumento, o recuo aconteceu após A GAZETA publicar com exclusividade que a Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado (MPES) requisitou, na quinta-feira, cópia das propostas de reajustes aprovados nas Câmaras de Cachoeiro, Cariacica, Guarapari e Vila Velha (esta última já recuou após pressão popular). O pedido busca esclarecimento em relação ao percentual concedido aos vereadores, além do dia e da hora. E se forem constatadas irregularidades, o MPES pode pedir à Justiça a anulação dos aumentos.
O Presidente da CMCI deu como causa do recuo o clamor popular. Admitiu o erro – isso é louvável. Entretanto, não deixou de ressaltar que o aumento estava dentro da legalidade – o que me faz pensar que o equívoco é parcial, o que não deixa de ser verdade.
Entretanto, existem outros motivos além da pressão do povo. Elenco os seguintes: 1) péssima repercussão das entrevistas que concedeu, nas quais mostrou um tremendo despreparo, além da indiferença quanto à quantidade do aumento de subsídio, pois para ele não fazia diferença, pois doava a sua remuneração. A imagem da Casa sofreu danos, acredito, irreparáveis, ao menos para essa legislatura; 2) reconhecimento da imoralidade da majoração, mesmo que de forma implícita. Na verdade, acho que todos sabiam disso desde o início e tentaram jogar o barro na parede para ver se grudava – não grudou; 3) dissenso provocado pelo vereador Professor Léo (PT), que fez repercutir seus pronunciamentos nas redes sociais; 4) e muito importante, atuação do Ministério Público no Estado do Espírito Santo (MPES), que oficiou a várias Câmaras Municipais questionando acerca da majoração de subsídio – desse motivo poucos falam, por quê? O que eu já disse aqui: é preciso ter critérios para fundamentar o aumento, o que não houve, claramente. A ausência desses critérios poderia ocasionar invalidade da medida na esfera Judicial, seja por ausência de motivo, seja por imoralidade. Reflexos disso? Possível investigação das atuações dos edis de Cachoeiro – isso não seria nada bom.
Pressão do povo, ok, mas não somente isso. Vamos colocar os pingos nos ‘i’. É preciso ter em mente a existência de interesses de três naturezas: 1) o público, por excelência; 2) o institucional, relacionado à CMCI; 3) o particular, vinculado à imagem de cada vereador. Dizer que tudo diz respeito ao interesse público, ou seja, que o recuo se deu para proteger a comunidade de uma lesão que seria provocada pelo Poder Legislativo, é mascarar os reais interesses para a tomada da medida.
No mais, notem a semelhança dos fatos para com aquilo que aconteceu em Via Velha – o que já foi tratado em algum ‘post’ neste blog.
"A Casa tomou uma medida sensata. Se o aumento é cabível ou não, nem tivemos tempo para avaliar a questão da necessidade", disse o vereador Marcos Mansur (PSDB).
O que dizer? O vereador Marcos Mansur (PSDB), nos moldes como publicado pela gazetaonline.com.br, admitiu que a questão não foi discutida da forma como deveria pela CMCI. Ele estava presente quando da votação: por que não levantou esse ponto na própria sessão? Por que não exigiu um ESTUDO SÉRIO? Não havendo tempo para avaliar a necessidade o projeto deve ser aprovado? A justificativa não guarda razão. Para a infelicidade dos vereadores o barro não grudou na parede. O comum, agora, é invocar um erro, sem atribuí-lo a ninguém, sem dar nome aos bois, sem especificar. O erro é geral, abstrato.
Autor da emenda que elevaria os salários para R$ 10 mil, o vereador Fabinho justificou a ausência por conta do trabalho como investigador da Polícia Civil.
"Fiquei sabendo da reunião, mas estava de plantão na delegacia. Mas, se a maioria quis assim, estou junto. O que ficou decidido, para mim, está tranquilo", limitou-se a dizer por telefone.
O vereador encara o aumento ou o não aumento com indiferença. Se assim é, por que fez a proposta de emenda? Para ver no que iria dar? A verdade é que a proposta é insustentável e agora é arriscado defendê-la, como fez, em partes, o Presidente da Casa, ao reforçar a legalidade da medida nas suas fatídicas entrevistas aos veículos de comunicação.
Já David Loss informou que estava em Vitória passando o Natal com a família e não chegou a tempo para a reunião. Ele se diz a favor da decisão da maioria, mas acha que, em 2013, poderia haver aumento.
"Se a maioria decidiu, estou de acordo, mas poderiam aumentar os subsídios dos que virão em 2013. Uns 40%, por exemplo. Para mim, essa decisão é indiferente, pois remuneração não é problema, não sou vereador por causa do dinheiro. Se a decisão é boa para o povo, é boa para mim também", disse, e finalizou: "Tem que baixar os salários de outros políticos, como deputados e senadores, além dos promotores e juízes, que é muito alto".
David Loss (PDT) defende um aumento, mas sem qualquer base para a revisão. No mais, incorre no mesmo erro de Júlio Ferrari, ao dizer que tanto faz o quanto recebe – o que leva a concluir que nada mais fará do que coro com aquilo que for decidido: será massa de manobra, sendo que o que se espera de nossos representantes é voz ativa. Quanto a baixar a remuneração dos parlamentares das demais esferas federativas, parece-me que é justificativa implícita para os aumentos na Casa de Leis de Cachoeiro. Disse e repito aquilo que já não era novidade para ninguém: não existe vinculação ou subordinação entre os Legislativos municipais, estaduais e municipais. Caso o vereador ache mesmo necessário diminuir os subsídios de Deputados e Senadores, que faça articulações em âmbito estadual e federal, mediante atuação de seu partido. Se conseguir isso, acredito que os brasileiros muito irão lhe agradecer. Mãos à obra, vereador! Por outro lado, esse argumento não guarda pertinência temática com o que é tratado na notícia.
"A primeira proposta de reajuste era de R$ 6 mil para R$ 7 mil, e defendo esse valor. Erramos ao aprovar os R$ 10 mil, e acredito no recuo com a reunião de segunda-feira", disse Ferrari. Além disso, ele elogiou a atuação do MPES e garantiu que vai levar a documentação solicitada.
Infelizmente o Presidente da Casa não guarda coerência em seus argumentos. Realmente, a proposta da Mesa da CMCI, da qual faz parte, foi a relatada. Entretanto, essa é a primeira vez que leio que esse é o valor que o vereador defende: lembro-me muito bem que para ele os valores eram indiferentes, uma vez que doava toda a sua remuneração. Cachoeirenses, vamos exercitar a memória, não é tão difícil. Coerência é o mínimo que podemos esperar.
Admitido o erro, pergunto: onde está o equívoco? O povo quer saber de você o que estava errado e agora foi corrigido. Não basta o que diz o clamor popular ou o senso comum. Se existe o erro, que seja apontado qual foi.
E sobre todo esse malabarismo sobre os motivos, lembro-me de um trecho de um livro de Pontes de Miranda – “O Problema Fundamental do Conhecimento” – e com isso encerro o ‘post’:
“Tomai aquele pacote de lápis. São de diferentes cores. Quantos são os azuis? – Três. – E os vermelhos? – Cinco. – E os pretos? Quatro. – E os verdes? – Um só. – Quantos lápis tendes? – Treze lápis. – Pois bem: treze lápis é o objeto da relação em que estais: vós e eles.[...] Se disserdes cinco lápis azuis, errareis; também se falardes de seis de outra cor. Por que? Porque dizeis ‘cinco lápis azuis’ e ‘seis lápis vermelhos’ ou ‘seis lápis verdes’ ou ‘seis lápis pretos’. Se eu vos pedir sete lápis, já não ficareis embaraçados, e dar-me-eis sete, de qualquer cor. Já aqui começais a ver a invariância das coleções finitas, do número. Prossigamos. Misturais, agora, os lápis e contai-os de novo. Treze! O número independe da própria ordem dos objetos. Queimai os lápis. Amanhã, no Cassino, jogai no número 13. Que é que tem esse 13 com os lápis? Nada [...]”.
Como fica claro: uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.
Até mais!