Aos que notaram, o acontecimento é voltado
principalmente para o público infantil – você, que faz críticas ao trânsito,
parou e leu a programação? A política adotada é pertinente, haja vista que é
mais um incentivo aos pequenos a abrirem um livro.
Ah!: você, meu caro, quantos livros leu esse ano?
Aliás, quantos leu durante toda a sua vida? Difícil responder, muito
provavelmente porque leu pouquíssimos e mesmo assim não sabe quantos. Não falo
aqui de livros científicos, com os quais deveria ter tido contato na época de
uma eventual faculdade, digo daqueles triviais, que a professora deixava você
escolher em sala de aula, assim como uns romances baratos que você encontra nas
prateleiras dos supermercados.
Serve para reflexão – uma SEVERA reflexão.
Digo isso para quem teve/tem oportunidade. Para
quem não teve/tem oportunidade o papo é outro, e não cabe nesta oportunidade
escrever sobre. Ah, quem diz que o brasileiro lê pouco não sou eu, são as pesquisas
– basta procurar no em ‘sites’ de busca. Ademais, não preciso dizer aqui os
benefícios da leitura. Isso é amplamente divulgado e durante toda vida foi
assim.
Na verdade, o incentivo à leitura ocorre sim, mas
nesse campo o fomento nunca é demais. Acontece que falta iniciativa das próprias pessoas
para abrirem um livro por acharem demasiado desinteressante.
Aquele que foi ao evento pode perceber que as ações
montadas foram dinâmicas: teatros, apresentações, atividades interativas. Não
ficou no lugar comum de apenas colocar ‘stands’ e deixar o povo percorrer o
espaço armado para folhear livros. Havia auditório para algumas centenas de
pessoas, foram realizadas oficinas. O público teve contato com escritores e
cartunistas. E ainda tem gente reclamando que ficou 15 minutos a mais no
trânsito. Deviam, sim, parar e ver o que o evento tinha a oferecer. Aliás,
ainda está em tempo: termina amanhã.
Os autores que por aqui passaram, assim como
artistas, são de destaque tanto na esfera regional quanto de âmbito nacional. De
passagem, destaco que na última bienal esteve presente Moacyr Scliar, um grande
expoente da literatura nacional. Alguém aí já ouviu aquela música dos
Engenheiros do Hawaii, “Exército de um Homem Só”? Pois então, é baseada em seu
livro homônimo. Ótimo livro, por sinal. Afinal, quem deu bola? Quase ninguém.
Pouca gente reconhece o talento daqueles que não estão no ‘mainstream’.
Corrijo: pouca gente (se considerada a totalidade) conhece aqueles que não
estão no centro do palco.
Ninguém é obrigado a conhecer de tudo, assim como
ninguém tem que conhecer aquilo que eu conheço. A beleza das coisas não reside
nisso, mas sim em se buscar mais daquilo que se gosta.
Então, um boçal fica no sofá, assistindo programas
que julga insossos, regurgitando críticas de como grandes veículos de
comunicação condicionam o pensamento do povo, pouco percebendo que está sendo
manipulado a fazer esse tipo de comentário. Enquanto isso, computador ligado,
sendo a internet um ambiente LIVRE, no qual desfilam todas as correntes de
pensamento. A preguiça e a falta de senso crítico tornam as pessoas, vá lá,
desinteressantes, para não dizer outra coisa.
É o mesmo sujeito que diz que a qualidade da música
está horrorosa, mas que não se dá ao trabalho de caçar alguma coisa
independente para escutar. Fica em frente à TV e espera que caia em seu colo
alguma coisa do tipo como Cazuza, Belchior e Mutantes, em uma época na qual se
ensina e se acha bonito uma criança de 03 anos rebolar, e a valorizar a
de 05 anos por ter uma voz bizarra, assemelhada a de um adulto; na qual o
trabalho é menos valorizado que o jeitinho; na qual se acha graça andar atrás
de uma artista com uma fita métrica para dizer que está respeitando ordem judicial
de manter a distância. Mal percebe que está no lugar errado.
Então, elabora uma espécie de teoria da
conspiração, fazendo, em última ‘ratio’, uma associação bizarra entre o
trânsito congestionado e os seus 20 minutos a mais dentro do carro que
escolheu, na companhia de quem optou e ouvindo aquilo que gosta, com uma
potencial corrupção e desvio de dinheiro público para armar tendas para um
evento cultural. Passam-se 05 minutos, e tece críticas sobre o aquecimento
global, a crise econômica em países europeus e o seu time de futebol – tudo dentro
de uma lógica suprema, afinal pensar em países europeus lhe dá 'status' ‘Cult’.
Mais 03 minutos e no auge da imbecilidade tem certeza da corrupção, do desvio
de verbas públicas, inclusive tem um amigo próximo que de tudo sabe, e ainda deduz
que uma autoridade municipal tem casos extraconjugais. Patético. Bela teoria da
conspiração!
Assim, o sujeito vive desconfiado, com uma síndrome
de corno, sempre se achando enganado, tendo a certeza de que todo o político é
corrupto, que toda goleira é frangueira e que todo viado é piranha. Em um lapso
de sanidade pensa que nem todo político é ‘ladrão’, mas tampouco sabe separar
um do outro, e acaba concluindo que salvam apenas dois ou três, mas que não
sabe quem é. Não votará mais naqueles que votou nas últimas eleições, pois são
safados, afinal, em seu imperativo categórico, em sua verdade suprema, um cara
honesto, probo e trabalhador não o deixaria ficar mais 10 minutos no seu carro,
com quem escolheu, indo para onde quer e ouvindo o que gosta.
Mas e se fosse a Valesca Popozuda, aquela figura,
digamos, peculiar, a colocar seu o circo travestido de gaiola na praça central?
Ou então o velho e cansado Durval, que naquela marchinha batida leva multidões
aos seus shows? Ainda temos de Joelma e Chimbinha, que vivem entre tapas e
beijos, de acordo com uma revista de fofocas ou uma senhora (ou senhor) gordo (gorda)
que fica sentado (sentada) em um sofá falando dos outros? Bem, poderia ser diferente
se fosse um avião ali parado, cheio de prêmios oferecidos por um programa de
televisão em associação com uma outra empresa qualquer? Quem reclamaria dos 20
minutos a mais no carro? Na verdade, levaria quem não gosta, ouviria o que não
queria e veria o que detesta, pois estaria indo para a patifaria.
E segue o pensamento do alienado. Tudo começou por
causa de 15 minutos dentro do carro em razão de um evento cultural, realizado
em um local estratégico para dar acesso ao maior público possível.
Misantropo, eu? Talvez. Posso ser a depender da
ocasião. Cara, e nem analisei aqui o que é causa e o que é consequência das
fraturas e mazelas sociais, o que viria bem a calhar. Falta tempo.
E quase um ano depois da Bienal de 2010, Moacyr Scliar faleceu. Quem viu, viu; quem não viu, perdeu. Mas quem reclama certamente nem sabe quem ele foi e é para a literatura brasileira.
ResponderExcluirIsso aí, Cinthiloca. Nem toquei no assunto da morte dele de propósito...
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