terça-feira, 16 de março de 2010

Gorjetas em até 20%


O Senado aprovou no dia 10/03/2010 o Projeto de Lei nº. 472/2009, que permite bares e restaurantes cobrar gorjeta de até 20%, tendo por base de cálculo o valor da conta, no horário compreendido entre 23h e 6h do dia seguinte. Ainda falta ser aprovado pela Câmara dos Deputados.

A definição da origem da gorjeta é complexa. Dentre outras vertentes, alguns atribuem que o costume foi consolidado como gratificação paga aos escravos pelos senhores em razão dos serviços prestados - na Grécia antiga. Outra hipótese retrata que, na Idade Média, os senhores feudais jogavam moedas na rua para os camponeses, garantindo a segurança de sua passagem Bem, quero chegar no seguinte ponto: a concessão da gorjeta é um COSTUME. Atualmente não existe previsão em Lei que obrigue o pagamento de gorjetas. Como se sabe, a porcentagem habitualmente cobrada é de 10% sobre valor total da conta, e tem a a natureza de faculdade, isto é, pode ou não ser paga, estando diretamente relacionada com a qualidade do serviço prestado no estabelecimento.

O rateio da gorjeta, entre garçom, cozinheiro, ajudantes e proprietário fica a critério de acordo entre patrão e empregados (no próprio estabelecimento), ou então é fixado em acordo ou convenção coletiva de trabalho - penso eu. De igual modo, não existe texto legal que regulamente a divisão.

AQUI
é possível ler o parecer da Comissão de Assuntos Sociais sobre o Projeto de Lei em referência. Em suma, justifica-se por reconhecer maiores dificuldades para os empregados que trabalham das 23h às 6h em bares e restaurantes, como a maior possibilidade de ocorrência de condutas violentas e a dificuldade de encontrar transportes. Entendo que o PL nº. 472/2009 alia o aumento da porcentagem a ser cobrada a título de gorjeta ao fato de que a atividade laboral no período noturno (aqui entendida também a madrugada) é mais perigosa e penosa, por haver inversão dos dias pelas noites.

O primeiro percalço que entendo que deve ser apontado é o seguinte: a natureza e a destinação da gorjeta. A gratificação é para compensar o trabalho noturno? Não. É para compensar o maior perigo da atividade em razão da onda de violência pela qual passamos? Não. É para compensar a inversão dos dias pela noite? Não. Como já dito, a concessão de gorjeta tem por fito reconhecer um bom serviço prestado. Então, pergunta-se: existe parcela de valor paga aos empregados por trabalho noturno? Sim. Por trabalho perigoso?Sim. Por trabalho penoso? Sim. Com o dispositivo trazido pelo Projeto de Lei o encargo é repassado diretamente aos clientes. É correto? As situações nas quais se encontram os empregados de bares e restaurantes não são merecedoras dos adicionais, posto que deveriam ser potencialmente mais poderosas de causar danos aos trabalhaores? E se por algum acaso já recebem, o que escapa do meu conhecimento, a dicussão não seria para majorá-los? Acho que essa seria uma discussão saudável a ser avaliada antes da aprovação do Projeto de Lei.

A segunda questão a ser enfrentada é a seguinte: apesar de todo apelo da questão estar direcionada aos empregados, a porcentagem de 20% passa a ter força de Lei. Sabe onde está inserido o dispositivo? No Código de Defesa do Consumidor - Lei nº. 8.078/1990, art. 39. Sugere-se inovar o preceptivo com o inciso XIV. Ressalto que o art. 39 discorre sobre a vedação de práticas abusivas praticadas pelo fornecedor de serviços/produtos.

É confuso: o apelo da questão é voltado para os trabalhadores, mas insere-se dispositivo legal que classifica a cobrança de gorjeta acima de 20% do valor total da conta, no período compreendido entre 23h e 6h, como conduta abusiva do fornecedor. Os empregados são atingidos reflexamente. A inteligência do parecencista cinge-se ao aspecto de que a Consolidação das Leis do Trabalho não tem o escopo de definir a porcentagem, posto que regula as relações de trabalho. Daí: 1) um costume, que é construído historicamente, é erigido a dispositivo legal para, em tese, beneficiar certo círculo de trabalhadores; 2) é permitido aos fornecedores de produtos/serviços cobrarem a porcentagem de até 20% sobre o valor total da conta em bares e restaurantes. Pergunto-me: é dilatada a gratificação aos empregados? É concedida a faculdade de graduar a procentagem pelos fornecedores? Os dois? Como será o rateio dos 20%? Sendo aprovado o Projeto pela Câmara, lógico, será Lei o que antes era costume. Também ficará na conversa a divisão dos 20% ou será necessário regular por Lei ou outra espécie normativa?

Oras, para mim trata de uma presepada. Entendo desnecessário o PL nº. 472/2009. Caso houvesse necessidade, os órgãos representativos das classes poderiam utilizar de sua força de representação e se manifestar pelo aumento da porcentagem: acordo ou convenção coletiva de trabalho. Não é imposição legal, mas entendo que é muito mais razoável que calcar em Lei um costume que até então não é comumente desrespeitado. Pelo contrário: é amplamente acatado pela sociedade. É regular matéria que já regulada por outro meio. Conflitos para com a comunidade estão sendo criados por força do Projeto de Lei. Desnecessário.

Ainda, pelo amor à pirraça, como é possível conferir no link acima indicado, justifica-se que é competência legislativa privativa da União legislar sobre direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho (art. 22, I, CF). O PL nº. 472/2009 também insere dispositivos na CLT. Mas é claro que a capitulação é parcial, é deficitária: mexeram na legislação consumerista sem ao menos conferir de quem é a competência, ao menos expressamente.

Olhando para o aspecto prático o que eu observo é que com essa faculdade de majoração da porcentagem a ser cobrada, está aberto o risco de se perder até os 10% - o que eu acho bem capaz de acontecer. Explico: convenhamos que pagar 20% do valor total de um conta em um bar ou restaurante é demais para o bom senso geral. Imagine chegando a conta de um bar no período pretendido pelo Projeto de Lei em referência. Agora imagine que além do que você consumiu, nada obstante o bom atendimento, você PODE pagar mais 1/5 daquilo mandou para dentro. Parece piada: 1oo% + 1/5 de 100% = valor total da conta. Não pago, é muito para quem se preocupa com a economia de dinheiro - que é o caso da esmagadora maioria da população brasileira. Se for 10% e com atendimento de qualidade: pago, sem problemas, pois o valor é razoável. Aí eu me pergunto novamente: qual empresário irá cobrar 20% de gorjeta, sabendo que é uma faculdade do cliente pagar e que os 10% são amplamente consolidados? Que empregado irá sugerir isso?

Como é faculdade cobrar e pagar, imagino a situação bizarra de eu em um bar e chegando uma conta expressando o valor que tenho que pagar, sendo considerado 10%, 11%, 12% (...) 20%. Nem para pagamento de Imposto de Renda temos tantas opções para a incidência das porcentagens! Que maravilha!

Como diriam os Mamonas Assassinas: "Mais vale um na mão do que dois no sutian".

Até mais!

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