terça-feira, 20 de julho de 2010

"Atividade policial" da imprensa

Tenho acompanhado, não de perto, a atividade da imprensa para a cobertura da situação na qual está envolvido o Bruno – até o momento ainda goleiro do Flamengo. Aliás, não somente ele, mas todas as pessoas que estão arroladas em função dos inquéritos policiais (IP’s) instaurados para a investigação do caso.

Em primeiro lugar, para deixar as coisas às claras, tenho que colocar que Eliza Samúdio teve sua morte presumida pela Polícia. Não se achou o corpo da “jovem”. Sequer se sabe se ela morreu. Ontem, em um depoimento colhido da atual esposa de Bruno, ficou aberta a possibilidade de Eliza ter sido vista após a data de presunção de sua morte – estipulada pela inteligência policial. Ou seja, não se sabe se ela realmente morreu. Isso é um fato, não dá para contestar.

Em segundo lugar, fato é que os envolvidos no caso, apesar de ainda não haver provas concluintes que comprovem o ilícito e a sua autoria, estão condenados. E isso justamente devido à atividade da imprensa, que nesse caso vem merecendo ser chamada da “mídia” – e ouso determinar como midiazinha barata. Claro, temos alguns delegados falastrões que têm as línguas maiores que as respectivas bocas. Eu realmente não sei o porquê de os veículos de comunicação se acharem investidos na função policial. O que acontece é que os envolvidos já foram condenados pela sociedade, não pelo Poder Judiciário, que até agora não foi acionado, uma vez que ainda aberto o IP, e sem dúvida pelo papelão desempenhado pelos parlapatões da imprensa nacional. Imaginem só se alguns dos Poderes de nossa República decidisse “fazer jornalismo” sem qualquer preparo para tanto. O que achariam as empresas investidas regularmente nesse papel?

Existe uma resposta para a imprensa exercer essa “atividade investigativa”: a liberdade de expressão garantida pela Constituição de 1988. É um alto valor conquistado pela sociedade, não cabendo lugar para a censura ou constrição da atuação da imprensa – como vem procurando fazer nosso atual governo, que inclusive tentou perpetuar isso em seu plano para a sucessora. Contudo, o que ocorre é que são cometidos verdadeiros disparates em nome da dita liberdade de expressão. Dizem muito dos advogados e de sua ética duvidosa; e os jornalistas, repórteres? Encoste em um para você ver o que acontece. Definitivamente eles têm a boca no trombone, têm a faca e o queijo. Por mais irregular que sejam as suas condutas dão um jeitinho de repassarem como se lisa fosse para a população. Que me perdoem os profissionais que exercem o seu trabalho nos lindes da regularidade, da moralidade, mas o que existe de “comunicador” covarde, pois é assim que a atividade deve ser classificada em muitos casos, não é brincadeira. Sabe o que me lembra? Jogador de futebol argentino: no jogo bate até na mãe, mas se alguém encosta no braço, já leva a mão ao rosto; se sofre um tronco, cai com a mão no joelho. Não dá para ser mais claro que isso. A imprensa é covarde, em geral, ainda mais quando nos folhetins policiais.

Não vejo as reportagens falando em presunção de inocência, em devido processo legal, em princípio da legalidade, princípio da tipicidade, etc. Não digo para usar a linguagem técnica comum da Ciência do Direito: basta somente fazer alusão em um texto digerível por toda a população. Falam em sangue, em acesso EXCLUSIVO a material dos inquéritos policiais, em reconstituição de depoimentos (teatrinho), expõem a família dos envolvidos, levantam antecedentes criminais dos investigados. Enfim, é o samba do crioulo doido. Jogam lenha na fogueira, mas quem a apaga depois? Quem recuperará a imagem dos envolvidos em caso de absolvição? Por isso que repito: a imprensa é covarde, em geral. Parece-me que encaram isso como se fosse um filme, como se a realidade estivesse afastada. Mas é assim que se ganha dinheiro, audiência, destaque, exclusividade, etc. Loucura. Ignoram a vida de pessoas em nome de uma gama de valores que devem ser repudiados nesses casos. É um inferno, definitivamente.

Covardes também os corrompidos pela imprensa. Pergunto: a troco de quê as redes de comunicação têm informações exclusivas? Como conseguem integralmente os inquéritos policiais, os depoimentos? Quando vazou a prova do ENEM a imprensa caiu em cima. E quem cai em cima da imprensa pelo uso de seus métodos no mínimo suspeitos? Nem a própria concorrência: todo mundo tem teto de vidro aí. O que dizer do vídeo exclusivo do Bruno exibido pelo Fantástico neste último domingo? Só havia policiais no avião, conforme ventilado. O goleiro que tinha optado em permanecer em silencio, direito seu, mas teve suas palavras jogadas para todo o Brasil. Pode ser estratégia da defesa? Isso teria caído na boca do povo a mando dos procuradores do Bruno? Pode ser, claro. Mas que imprensa é essa que se propõe a fazer esse papelote? É midiazinha mesmo. Não existe imprensa isenta. Não tenho rede de comunicação favorita – isso seria eu querer muito pouco para mim. Não tenho preferência política, não defendo ideologia partidária. Tento apenas ser coerente com a ordem estabelecida.

Não estou defendendo os investigados. Minha posição é aquela como eu acho que deveria ser a de todos: neutra. Não se sabe o que aconteceu, é preciso respeitar os trâmites legais. O papel da imprensa é o de informar e não o de exercer atividade investigativa policial. No chamado “caso Nardoni” uma cena lamentável ocorreu após a condenação dos réus: foguetório do lado de fora do Fórum, Promotor sendo carregado pelos braços do povo, risadas, etc. É isso que ocorre em um caso de grande repercussão ventilado da forma que foi. É normal a revolta popular, mas é lamentável a ausência de respeito para com a ordem. Parece final de Copa do Mundo de futebol.

Ao menos preservaram a reputação da Eliza, que já não era tão ilibada assim. Ela é a “jovem”, a “namorada”, a “amante”, a “agredida”. Essa preservação é gratuita? Não sou ingênuo para pensar que sim. Respeito à suposta falecida? Acho pouco provável. O que me parece é que querem fazer uma história com mocinhos e bandidos, e os papéis já estão bem delineados. Ela é boa moça, nada fez, certo? Não existe imprensa isenta, imparcial. Não dá para confiar no que é ventilado sem ao menos exercer um pouco do senso crítico e de analisar.

A pergunta que cada um deve se fazer é até que ponto vai a curiosidade em saber do caso e qual o limite disso. Quem financia a imprensa somos nós, a audiência, o populacho. Por isso eu não me mantenho tão por dentro do caso. Barreiras, limites. É complicado, pois o caso é tema primeiro de qualquer jornal: você senta para assistir e já te empurram Eliza Samúdio. Mas a escolha é de cada um.

Não é demais lembrar que a maioria não pensa, mas somente reproduz. E, incrivelmente, sentem-se satisfeitos com isso.

Até mais!

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