sábado, 18 de junho de 2011

MP nº. 527 - II

Este é um daqueles posts grandes. É válido.

A MP nº. 527 também tem o fito de introduzir alterações na Lei nº. 11.485/2007 (conversão da MP nº. 329), que “autoriza o Ministério da Defesa a efetuar contratação de pessoal, por prazo determinado, imprescindível ao controle do tráfego aéreo”. O destaque fica para a data de promulgação do texto legal: 2007 e o caráter temporário das contratações. Não é demais lembrar a presidente que estamos no ano de 2011.

À época a MP visou diligenciar para que a crise no setor aéreo tomasse maiores repercussões. A contratação temporária de pessoal sem concurso público é permitida pela Constituição Federal brasileira para que se atenda necessidade temporária de excepcional interesse público – art. 37, IX. Ou seja: as autoridades competentes sequer notaram que o setor encararia um gargalo (será?). Os negócios em matéria de viagens aéreas aumentaram consideravelmente. O Brasil precisava (ainda precisa) adequar sua estrutura de pessoal ao novo quadro – o que não foi feito da forma regular, isto é, dentro da normalidade a contratação de profissionais seria feita mediante concurso público de provas ou de provas e títulos. Resumo da ópera: a saída foi a edição de uma Medida Provisória que foi convertida na Lei referenciada.

O que aconteceu foi bizarro.

O texto original (MP nº. 329/2007), art. 2º, expressava que poderiam ser contratadas, no máximo, 60 pessoas, e, que não poderiam ir além de 31 de dezembro de 2007 os aludidos contratos. A MP nº. 361/2007 alterou o texto original, elevando o número de pessoal para 160, sendo que o prazo de duração dos contratos seria de até 02 anos e prorrogáveis por igual período. Por fim, a MP nº. 527/2011 completou a lambança. Colaciono abaixo o texto original da MP 329/2007 e o texto que o substituirá, se a MP nº. 527/2011 passar, respectivamente:

Art. 2o A contratação de que trata esta Medida Provisória será de, no máximo, sessenta pessoas e não poderá perdurar além de 31 de dezembro de 2007.

Art. 2o A contratação de que trata esta Lei será de, no máximo, cento e sessenta pessoas, com validade de até dois anos, podendo ser prorrogada por sucessivos períodos até 18 de março de 2013.

Que expressão poderia definir isso? Não sei. O governo federal vive no mesmo mundo que Alice.

O que se passa é o seguinte: por canetadas sucessivas provenientes da Presidência da República, aliada a uma interpretação ridícula e torta da Constituição Federal (e, claro, que os agentes políticos brasileiros sabem o que a CF quer dizer com “contratação temporária por necessidade de excepcional interesse público”. É pura conveniência), procura-se perenizar aquilo que claramente é caracterizado como precário. Imagino o lirismo da base governista, que em devaneios e vislumbrando quimeras, brada em coro: “Queria que o tempo parasse naquele dia”. Hugo Chavez já conseguiu fazer isso na Venezuela: ocupa desde 1999 a Presidência da Venezuela e para ele 1999 ainda não passou, talvez seja “febrero” daquele ano, talvez dia 31, data criada por ele para celebrar a revolução bolivarista - bobagem. Aqui no Brasil não é possível armar as estripulias do ditador venezuelano, apesar de muita coisa indicar o contrário. Então, faz-se teratologia com aquilo que dá: “quem não tem colírio usa óculos escuros, a formiga só trabalha porque não sabe cantar”, disse um dia o nunca assaz Raul Seixas.

Vou ao que interessa citando alguém da área, Celso Antônio Bandeira de Melo, em seu “Curso de Direito Administrativo”, 25ª edição, Malheiros Editores, 2008, páginas 280/281, sobre o art. 37, IX, CF:

“A razão do dispositivo constitucional em apreço, obviamente, é contemplar situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual, (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, “necessidade temporária”), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar”.

Estamos em 2011 – a primeira MP foi em 2007. Haja temporariedade nisso!! A redação trazida pela MP nº. 361/2007 já se mostrou absurda, pois permitiu uma prorrogação do prazo inicial em até dois anos (o máximo; igual prazo), isto é, os temporários assim seriam de tal natureza por até 04 anos. Negligência, pois o governo deveria promover o concurso público como medida emergencial a fim de contratar efetivos e dispensar os temporários. Em vez disso, prefere ir, MP por MP, prolongando o prazo dos contratos temporários. Que ‘canalhagem’ é essa? Respondo: uma de menor grau que aquela trazida pela MP nº. 527/2011.

Se passar a MP nº. 527/2011 será possível prorrogar os contratos temporários sucessivamente, isto é, sem limites, até março de 2013. Ah, sim, então aqueles contratados temporariamente em 2007 podem permanecer no cargo somente até a data limite do ano 2013? Não, e já explico. Enquanto isso faça as contas até 2013, com um juízo de razoabilidade e proporcionalidade, e pense se isso é temporariedade nos termos da Constituição Federal.

Com o petismo funciona assim: “calma aí, não é bem assim!”. A MP nº. 527/2011 incluiu três parágrafos ao art. 2º suso referenciado:

§ 1o Prorrogações para períodos posteriores à data prevista no caput poderão ser autorizadas, por ato conjunto dos Ministros de Estado da Defesa e do Planejamento, Orçamento e Gestão, mediante justificativa dos motivos que impossibilitaram a total substituição dos servidores temporários por servidores efetivos admitidos nos termos do art. 37, inciso II, da Constituição. (Incluído dada pela Medida Provisória nº 527, de 2011).

§ 2o Na hipótese do § 1o, regulamento estabelecerá critérios de substituição gradativa dos servidores temporários. (Incluído dada pela Medida Provisória nº 527, de 2011).

§ 3o Nenhum contrato de que trata esta Lei poderá superar a data limite de 1o dezembro de 2016. (Incluído dada pela Medida Provisória nº 527, de 2011).

A redação dos parágrafos colacionados é uma certidão positiva de incompetência, no mínimo. Como corolário do art. 2º, denuncia a débil gestão à qual estamos submetidos. Fácil de entender.

Na verdade, os temporários poderão ficar em posição tal até o ano de 2016 – não 2013, como a cabeça do preceptivo esclarecia. Para isso basta que alguns Ministros inventem alguns motivos para não substituírem os temporários. Qualquer motivo? Bem, se os temporários podem ficar de 2007 a 2016, em clara afronta à CF, não espero que os nossos ministros motivem tal ato com fundamento idôneo. Toda a massaroca já está formada, isso seria somente a cereja no topo do sorvete.

O parágrafo segundo atesta a patetice formada. Critérios de substituição de temporários por efetivos regulados por Decreto? Ah, sim, vislumbrada a lambança basta nossa Presidente dar outra canetada para substituir aqueles que estão se perenizando no corpo da Administração Pública. Claro que até 2016 não haverá concursos, salvo se houver necessidade de mais controladores – isso se nova MP não somar mais centenas de vagas às 160 já existentes. Ora, por que não são inseridos os critérios de substituição no próprio corpo da Lei nº. 11.458, já tantas vezes modificada? Não se quer colocar a matéria perante o crivo do Congresso Nacional, onde existe oposição, que no momento não se sabe onde está. E, por fim, não é preciso de Lei para regular situação tal, mesmo que ela já esteja aí desde 2007, pois a matéria não prevê criação ou extinção de direitos, apenas regulamentação.

Outra questão: e quanto à substituição dos temporários na hipótese de ocorrência de concurso público para o preenchimento das vagas respectivas, quais serão os critérios para a substituição? A Lei simplesmente não prevê tal situação. Logo se percebe a intenção de o governo federal realizar concursos públicos para os controladores de tráfego aéreo, qual seja nenhuma. E a vida segue em Banânia.

Ademais, digo o seguinte: para substituição de temporários não é necessário critérios expostos em qualquer espécie normativa. Existindo efetivos a substituição deve ocorrer de modo a preservar a boa administração pública, podendo ser parcial ou total, gradativa ou não. São cargos de natureza ‘ad nutum’ (livre nomeação, livre exoneração). Então, por que Decreto para a hipótese do parágrafo segundo? É uma tentativa desesperada de mostrar a ‘pseudo vontade política’ dos agentes públicos para lograrem um concurso público. Querem mostrar, então, que são diligentes, o que não passa de uma piada: “após 10 anos estamos tomando as providências para substituir os contratados temporariamente. Essa situação não pode mais continuar”. Bem, então, Dilma, se reeleita, não poderá colocar a negligência na conta no governo anterior – operação na qual o PT é perito.

Bem, o quê mais sobre esse tema? Ah, sim, as emendas à MP nº. 527. O relator designado para avaliar os termos da MP foi o Deputado José Guimarães (PT/CE). Totalizaram o número de 44. Destaco as seguintes: 26, 27, 29, 30 e 31, que foram rejeitadas. O teor delas? Em geral, apesar de algumas não fazerem sentido (a meu ver), solicitaram limitação ou supressão dos parágrafos acima mencionados. O Deputado André Moura (PSC/SE) sugeriu que os contratos tratados pela Lei nº. 11.458, alterada pela MP nº. 527, não ultrapassassem a data limite de 1º de dezembro de 2014. Foi um esforço, mas o bom senso já está superado nessa matéria. Como dito, o relator rejeitou as emendas sob o seguinte fundamento, ‘in verbis’: “k) porque diminuem de forma indevida o longo período necessário à nomeação e ao treinamento de novos profissionais encarregados do controle do tráfego aéreo, limitando a duração dos atuais contratos temporários, as de nºs. 26, 27, 28, 29, 30 e 31;”.

Entendi a lógica: contratos temporários têm prazo indeterminado. “longo período necessário à nomeação e ao treinamento de novos profissionais”: desde 2007 não deu para treinar o pessoal. Temos todo o tempo do mundo, Deputado José Guimarães. E após 2016, concursos? Ninguém garante isso – só se garante critérios para substituição de temporários por efetivos. Mas que efetivos? Eles existirão? Conveniente ponto sem nó.

Eu me aproprio de uma música do Falcão, aquele do girassol, e diria assim ao povo brasileiro: “e pela marca de pneu nas suas costas eu pude ver que você também andou se divertindo. Ora, mas pior seria se pior fosse, pois as mulheres são criaturas do sexo feminino”. Já para a base governista: “ora não se ria, minha senhora, pois a sua filha pode estar aqui dentro”. Não dá para escrever o nome da música aqui, mas deixo claro o meu apreço pelo trabalho do cantor, sensato e preciso nas suas afirmações, ao contrário do que pode parecer. O ‘link’ para a canção.

Até mais!


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