quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Registro - O Brasil nos anos 1990.

Antes de chegar ao ponto, faço um registro do momento Brasileiro na década de 1990. Ficou longo, mas acho que vale a pena.

Ao final dos anos 1980 a emergente democracia brasileira finalmente ganhou força com as eleições diretas para Presidente da República. O ambiente era conturbado, que resumo em poucas linhas: um movimento estudantil sólido, de fato, fazia aguerrido protesto contra o regime ditatorial instalado desde 1964; os componentes do regime reticentes e temerosos, características inerentes à covardia que marcou todo o período de 1964 até então, uma vez que cientes da repreensão que teriam de enfrentar após a instalação da democracia, então, inevitável; palanquistas por todos os cantos; caos econômico. Tudo isso culminou com a eleição de Fernando Collor, representante máximo do Estado Democrático Brasileiro instaurado de forma tenaz pela jovem Constituição Federal de 1988.

A festa não durou muito tempo. Collor renuncia ao mandato sob ameaças de sofrer o impeachment – foi julgado por seus crimes e seus direitos políticos estiveram suspensos por 8 anos. Novamente o cenário político vive um momento conturbadíssimo e logo após a instauração de um regime que era tido como o “salvador da pátria”, literalmente. O Brasil, desde logo, passou a aprender a conviver com os percalços da democracia republicana.

Portanto, as esperanças do povo brasileiro, ainda em chamas, receberam um balde de água fria. Se após os anos de chumbo e das tantas violações aos direitos humanos o representante maior da nação, um “cavaleiro da esperança”, acabou desviando a finalidade de sua atividade utilizando dos poderes a ele conferidos pelo povo, que sentimento de fidúcia restaria à comunidade brasileira? Lembro que o povo brasileiro é VOCÊ. Não o tome como as camadas mais pobres de nossa sociedade ou algum elemento externo inanimado.

Enfim, Itamar Franco, vice de Fernando Collor, completou o mandato até janeiro de 1995 - interina e depois permanentemente. Fernando Henrique ficou responsável pelo Ministério da Fazenda. Neste governo foi instalado o Plano Real, no contexto da hiperinflação. Antes da efetivação da nossa moeda, o norte era a URV (Unidade Real de Valor), que tinha a paridade de quase um para um em relação do dólar, forte, com variação mínima. Criou-se uma “moeda” com tempo certo de circulação, o câmbio não era flutuante. Em dado momento a URV foi extinta e foi efetivado o Real. Portanto, não houve a “dolarização” observada em alguns países vítimas da hiperinflação, que seria a paridade entre a moeda local e o Dólar: não é possível excluir o dólar como foi feito com a URV, que na verdade atuou como um indexador que serviu de termômetro da economia brasileira – foi uma moeda virtual. O modelo argentino adotou a dolarização em períodos de hiperinflação e o estendeu a períodos de estabilidade, para evitar novas crises inflacionárias. A persistência nesse regime foi um dos pilares da crise recente ocorrida no país.

Em 1995 Fernando Henrique, assumiu o governo federal brasileiro, vencedor que foi das eleições no ano de 1994, impulsionado pelo sucesso do Plano Real, uma que é o maior responsável pela sua instrumentalidade, haja vista que Ministro da Fazenda à época de sua efetivação. O período foi de estabilização da economia. O Brasil adotou, claramente, o modelo do Estado mínimo, abarcado pela vertente neoliberal.

Assim, o país passou por um processo de desestatização – que no sentido técnico não quer dizer privatização. O que se via é que o Estado, então pesadíssimo (e ainda o é), não tinha condições de andar com as próprias pernas, isto é, fornecer com qualidade serviços básicos com a devida adequação prevista na Carta Constitucional. Ademais, apesar do sucesso do Plano Real, que estabilizou a inflação e conferiu ao país uma moeda forte, a instabilidade econômica ainda permanecia perambulante sobre outras variáveis, como a desconfiança do investidor estrangeiro no país, a estrutura brasileira para lograr um efetivo crescimento econômico, índices de risco, dentre outros, afinal o Brasil estava apenas dando um primeiro passo para acertar as coisas. Não é demais lembrar que anos antes o país estudava a real possibilidade de declarar moratória.

Diante da patente ineficiência do Estado e ante às disposições constitucionais, começou-se a desenvolver um arcabouço legislativo para modernizar o modelo estatal brasileiro, torná-lo mais ágil e célere, capaz de reagir de modo eficaz diante das mazelas da sociedade brasileira. Desestatização, que não teve como precursor o Brasil. Era, de fato, uma TENDÊNCIA mundial, observada desde o final da década dos anos 1970, diante de um cenário de crises econômicas que feriram a figura do Estado, a sua capacidade de arcar com todos os serviços essenciais. Coloque na conta duas guerras mundiais, uma crise estrondosa em 1929, crises políticas e a divisão ideológica do mundo: socialismo e capitalismo. Além do mais, a revolução tecnológica era uma realidade no início dos anos 1980. A globalização se apresentou tenazmente. O neocolonialismo dava sinais de cansaço. O Brasil, engessado no regime ditatorial, ficou alheio a toda essa transformação.

Portanto, o momento de abertura econômica brasileira se deu nos anos 1990 e só foi possível graças a uma moeda estável, forte, que possibilitou extirpar o cenário de hiperinflação. Isso é a base de toda “prosperidade econômica” da qual enche a boca o atual governo. Vangloria-se de algo que não fez parte, a não ser como oposição. Mais: destrói a verdade, conta a sua versão dos fatos e a toma como primado absoluto. Joga o trabalho dos demais brasileiros na lama e pouco se lixa para isso. Só falta o nosso Presidente afirmar que formalizou o Plano Real. Eu não duvido que isso um dia aconteça.

Penso: o que seria do Brasil se naquela época PT tivesse assumido o governo federal e colocado em prática suas matrizes ideológicas (aliás, hoje, quais são?)? Respondo: a nave não iria decolar. O Partido dos Trabalhadores defendia a suspensão do pagamento da dívida externa, o chamado “calote”, para investir a grana no Brasil – isso, por si só, responde a pergunta. Qual a imagem que o país teria hoje perante o mundo? Essa fica para você a resposta.

Deixo claro que cada um defende a corrente que bem entender - não existe mal nenhum nisso. Alguns colegas sabem que eu exponho o que eu acho e respeito as idéias totalmente diferentes das minhas, mesmo algumas sendo alopradas. O certo, para o PT, na época, era defender o calote - posição abertamente prezada. Muito bem (sem ironias). Agora só não me venha dizer que a “prosperidade brasileira" se deve aos últimos 8 anos, além de sustentar a demonização das gestões da década de 1990, notadamente a de FHC. O que me espanta é que a justificativa petista para a defesa do calote, se perguntados, seria “o momento brasileiro". Essa justificativa não serviria para os tucanos justificarem a política de privatizações, sob uma perspectiva petista.

Não sou filiado a qualquer partido político, “no papel” ou somente na minha forma de pensar. A análise dos fatos e a verdade devem ser expostas – isso eu defendo. O cenário deve ser de transparência, de moralidade, legalidade. Estamos em um Estado Democrático de Direito. Estou me alongando muito, volto logo e continuo a exposição de idéias no próximo post.

Até mais!

2 comentários:

  1. opa...
    as privatizações(não demonizemos a palavra, hehe!) se encaixaram em um contexto de modernização do estado e os governos Itamar e Fernando Henrique têm méritos neste ponto. Mas os deméritos superam.... Ao invés de um programa sério de desestatização, o que se viu foi uma daoação do patrimonio para a iniciativa privada, enriquecendo figurões como Daniel Dantas. E havia exageros, pois o modelo neoliberal do PSDB e PFF pretentia vender tudo, seguindo interesses externos. Para não ir longe, a Vale foi doada e a CST foi vendida por um preço inferior ao valor do aço que tinha estocado! mas isso é passado e acho que o grupo do Serra não erraria novemente.

    agora,a premissa de que o governo Lula foi um sucesso porque pegou um país estabilizado pelo governo anterior é falsa. O plano real foi importante, melhorou o país em 1993, mas mostrou seus problemas em 1999. O país quebrou nesse ano e era recorrente o pires na mão para o FMI. Em 2002 o período era de instabilidade e o governo Lula, ao assumir, melhorou a política que existia.
    Entender que o Serra é a melhor opção é algo completamente aceito, viável e importante para a democracia. Mas também temos que reconhecer que o governo PT foi muito bom, melhor que o anterior são os fatos e a aprovação do presidente: 85%(CNI/IBOPE, de 23.06.2010)!

    mas é isso ai... seguem as discussões!!
    abraço

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  2. Não acho que o governo Lula tenha tido todo o sucesso. Como se espera de todos os governos, acertou aqui e ali, e errou lá e acolá. Quando coloco na balança, para mim, pesa bastante a autonomia dos poderes, a força das instituições, a integridade do Estado, em si. Mas isso é uma questão pessoal e que tem o condão de apontar a direção que eu sigo.

    O governo atual não teve à toa a aclamação da qual agora se aproveita. Contudo, ignorar o início de um trabalho político realizado a duras penas é atentar contra o próprio regime democrático. Colocar tudo na própria conta todos os mérito obtidos até então é, sem dúvida, o cúmulo da arrogância. Mais do que isso, Lula passou 8 anos de governo desconstruindo a figura de FHC, muitas vezes injustamente. A crítica é aberta, claro; contudo, que se critique de acordo com o que ocorreu. A popularidade do governo atual se deve às suas acertadas atuações miscigenadas a atitudes como as mencionadas acima, ambas somadas a uma forte máquina de propaganda há muito tempo não vista em ação em nosso país. Hoje temos até um canal de TV Estatal que transmite discursos do atual Presidente nos quais ataca diretamente o presidenciável do PSDB. Tudo isso com dinheiro público...

    Infelizmente as privatizações foram um "boi de piranhas" às avessas. Acredito que a desestatização tenha sido uma boa saída, e, de fato, funcionou. Não acho normal que alguém tenha se aproveitado disso para fins próprios e não prego o discurso do conformismo com o que de ilegal/amoral se pratica. Contudo, não há como negar que é comum, no gênero humano, o oportunismo. E ele aparece, muitas vezes, onde não deveria aparecer. O que deve ser observado é se entre a figura do oportunista e a do gestor público existe uma ligação que propicie o favorecimento das partes. Aí começamos a pisar em terreno mais sólido, objetivo.

    Claro, o país entrou pelo cano em 1999. Todavia, qual economia consegue se reconstruir, e não se consolidar, em aproximados 5 anos? A década de 1990 foi conturbadíssima na esfera econômica. Seria um risco a se correr qualquer que fosse a estratégia adotada. Iria quebrar, seja por adoção do dito regime neoliberal ou por qualquer outro que mantesse relações típicas da rede de globalização. O certo é que o Brasil poderia quebrar 5 anos antes sem ter a chance de se recuperar, isto é, seria atropleado sem ver a placa do caminhão.

    De resto, o governo Lula tem bastante mérito em ter honrado a dívida brasileira com o FMI, mesmo tendo como idéia originária o conhecido "calote". Em 2002 Lula fez alumas considerações em uma carta aberta. Confesso não ter lido, mas procurarei fazê-lo para saber o que mudou, efetivamente, na vertente ideológica do nosso Presidente.

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