terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Reajustes de subsídios e efeito cascata

Antes de tudo, eu recomendo a leitura do PDL 3.036/2010, principalmente a sua justificativa. Não existe qualquer preocupação de se explicar a necessidade dos reajustes – em veículos de informação noticia-se que existe a necessidade de equiparação dos subsídios nos Poderes da República e que os valores recebidos pelos ora beneficiados estão defasados, mas só não se diz que necessidade é essa, quais os seus fundamentos, a demonstração dos valores defasados e os critérios adotados pelo reajuste para adequá-los à realidade dos agraciados.

O que é temido, e com total solidez, é o chamado efeito cascata, isto é, que hajam reajustes nas esferas estaduais e municipais. Tudo isso por força do artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal:

XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

Bem, o deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP) assegura que não haverá o efeito em referência, conforme trecho extraído de notícia do sítio eletrônico da Câmara dos Deputados:

“Segundo Marquezelli, não haverá efeito cascata, e agora haverá apenas um reajuste referente ao teto. "Faremos uma PEC em fevereiro para proibir as vinculações estaduais e municipais. Dessa forma, faremos um acoplamento ao STF e, se Deus quiser, daqui para a frente não se discutirá mais salários na Câmara", ressaltou”.

Assusta o comentário do deputado. Defende um reajuste de subsídios, invocando uma tresloucada isonomia, mas chuta o princípio aclamado quando se trata de vê-lo irradiar seus efeitos nas esferas estaduais e municipais. É o que se chama de pinçar um instituto, ou seja, aplicar a determinado caso e excluir a sua incidência em casos semelhantes. Pelo que falou não está sozinho nessa empreitada. Ora, então a função legiferante dos membros do Congresso Nacional são mais dignas que a das Casas de Leis a nível estadual e municipal? Que paladino da democracia é esse. O critério correto seria primeiro promover a alteração da Constituição, e não majorar os subsídios antes de tudo. É uma graça, realmente, como o deputado cogita a hipótese de enterrar os resíduos da lambança. Claro, Deus vai querer e tem o nome de José Sarney, e está sempre acompanhado de seus arcanjos da base.

Depois do reajuste não haverá discussão de subsídios na Câmara? Nem todo o povo é idiota. Basta aumentar o subsídio dos Ministros do STF que o olho vai crescer de novo. Aliás, existe projeto de lei em tramitação para a matéria, que prevê aumento da remuneração para aproximados R$ 30.000,00. A notícia está aqui.

O que tenho mais a dizer sobre isso? Remete-me ao fantasioso conto de George Orwell, “A Revolução dos Bichos”, no qual narra a tomada de uma fazenda de seu proprietário, sendo que o detalhe é que o motim é efetuado pelos próprios animais que ali moram. Vacas, bois, galinhas e ovelhas são comandados pelos porcos, considerados os mais inteligentes e que conseguem até compreender os signos do alfabeto, mesmo que com certa dificuldade. Gozam, portanto, de privilégios (uísque, cigarros, boa comida, cães como segurança, etc.) sempre justificados nos mais altos valores, mantendo os demais animais em condições precaríssimas de vivência. Por fim, resta um único mandamento que rege a sociedade na fazenda, o qual aqui reproduzo: “Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais que os outros”.

O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) pareceu ser muito mais prudente:
“Para o deputado Chico Alencar (Psol-RJ), o reajuste deveria ter outros critérios. "Não somos contra o aumento para esses cargos, mas isso precisa ser feito dentro de uma lógica e com critérios permanentes, e não com casuísmo ao final do mandato", criticou”.

O efeito cascata, ao contrário da previsão do deputado Nelson, já está ocorrendo. Não são apenas deputados e senadores que tem habilidade para aprovar na calada da noite um aumento de subsídios. Alega-se urgência e o projeto tem prioridade. É votado em tempo recorde. Quanta eficiência.

A título de exemplo, a Câmara de Vereadores de Sorocaba aprovou em uma votação de 30 segundos (!!!!) o reajuste, de modo que passam a receber aproximados R$15.000,00 – a remuneração anterior era de R$ 7.800,00. A matéria está aqui.

Bem mais perto de nós, a Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo vota hoje a proposta para aumento em 62% dos subsídios dos deputados estaduais – a remuneração passaria de R$ 12.300,o para R$ 20.000,00. A matéria está aqui.

Acredito que Nelson Marquezelli deve tentar fazer previsões de tempo ou ler mãos como as ciganas, pois parece não entender do aludido efeito cascata.

Até mais!

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